A tarefa missionária em meio às diferenças culturais
Jesus Cristo veio ao mundo, morreu, ao terceiro dia ressuscitou e subiu ao céu deixando a promessa que um dia voltaria do mesmo modo como subiu. Mas antes de subir deixou uma ordem expressa nos evangelhos chamados sinóticos: "Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo." (Mt 28.19); "E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura." (Mc 16.15); "[...] e em meu nome, se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações começando por Jerusalém." (Lc 24.47). Esta ordem também está presente no livro de Atos dos Apóstolos: "Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra." (At 1.8).
Eis aí a maravilha e o desafio do cristianismo. Como cumprir esta ordem levando o evangelho, a Palavra de Deus, até os confins da terra? Como apresentar Jesus a outras culturas, povos, línguas e nações? Como comunicar a verdade sem deixá-la perder a sua essência? Este é o maior desafio daqueles que se dispõem a cumprir esta ordem deixada por Cristo.
Primeiros passos
Todo missionário antes de pregar o evangelho em uma cultura que lhe é estranha precisa aprender, ou seja, conhecer sobre a cultura onde ele irá trabalhar. Sobre isso o Rev. Gildásio Reis afirma:
Dificilmente uma pessoa poderá sentir as dificuldades do trabalho missionário a menos que esteja envolvida ativamente neste campo. Tais dificuldades parecem ser maiores quando o trabalho missionário se dá em uma outra cultura que não a do missionário. As diferenças culturais e as surpresas são incalculáveis. De maneira nenhuma, o missionário pode comunicar bem o evangelho, se ele desconhecer a cultura das pessoas que irão ouvi-lo.(1)
Logo, o primeiro passo para qualquer pessoa que esteja envolvida no trabalho missionário, em outra cultura, é conhecer essa cultura para que possa transmitir a mensagem de forma clara para que as pessoas possam entender. Pois falta de sensibilidade por parte do missionário pode tornar essa tarefa, além de difícil, improdutiva. Sobre isso Bruce Niholls afirma o seguinte:
Os comunicadores evangélicos frequentemente subestimam a importância dos fatores culturais na comunicação. Alguns se preocupam tanto com a preservação da pureza e das suas formulações doutrinárias que tem sido insensíveis aos padrões de pensamento e comportamento culturais das pessoas às quais proclamam o evangelho.(2)
A importância de se transmitir algo que se entenda é fundamental, até porque "comunicação não é o que você fala, mas o que o outro entende. Se o outro não está entendendo, você não está comunicando direito." (3). E isso quando se dá em outra cultura é muito mais difícil. Pois se nós muitas vezes já temos dificuldade de nos entendermos dentro de uma mesma cultura que nos é familiar, imagina ter de enfrentar as barreiras de comunicação que são impostas por uma cultura estranha. O Rev. Gildásio fala que:
É inquestionavelmente e universalmente aceitos entre os missiólogos e missionários, que é praticamente impossível comunicar o evangelho de maneira que faça sentido em circunstâncias transculturais sem que seus comunicadores conheçam a cultura daqueles que eles desejam alcançar.(4)
Parece uma besteira se preocupar em aprender o que o outro entende como certo e errado, como morte e vida, como Deus. Mas é fundamental para que a palavra, ou seja, a semente lançada caia em boa terra e dê frutos. Para tal precisamos entender o que é cultura.
A cultura
"Conjunto de comportamentos e ideias característicos de um povo, que se transmite de uma geração a outra e que resulta da socialização e aculturação verificadas no decorrer da sua história." (5) Ou também "[...] um sistema integrado de padrões comportamentais aprendidos, compartilhados e transmitidos de geração em geração, que distinguem as características de uma determinada sociedade." (6)
Essas ideias apresentadas sobre cultura de um povo, ou seja, o aglomerado de tudo aquilo que é caraterística intrínseca de um povo que vem de gerações, e é natural: como língua, modo de vestir, noções de moral e ética, crenças; faz-nos entender que muitas vezes o que é certo para um não é para o outro. E assim como os valores morais mudam, os valores de crenças também. Pois o que é pecado para um, para outro não é. O conceito sobre Deus, céu, inferno, morte e salvação são diferentes também. Não é só a barreira da língua que precisa ser vencida, mas também a da compreensão.
Colocando em prática
Agora que sabemos o que é a cultura de um povo, e que para comunicar o evangelho em uma cultura diferente o missionário precisa conhecer essa cultura, fica a questão depois de conhecer a cultura. O que fazer? Como colocar em prática? Como contextualizar a mensagem de uma forma coerente?
O Pr. Ebenézer Bittencourt no DVD Quebra de Paradigmas, diz: "Nós precisamos aceitar o desafio de adaptar métodos [...] o evangelho é inegociável. [...] Mas nós temos que ter sensibilidade cultural." (7) Ou seja, não existem regras que determinem métodos de como comunicar o evangelho. O que deve nortear o missionário quanto a métodos é a sensibilidade cultural. A única exigência inegociável é a essência do evangelho. Logo, o missionário pode e deve alterar o método quando necessário, mas nunca abrir mão da essência das escrituras, tendo em mente sempre de que ele é apenas um simples mensageiro, uma fonte secundária, nunca uma fonte primária.
Sobre as estratégias de evangelização o pacto de Lausane diz o seguinte:
O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial requer metodologia nova e criativa. Com a benção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas escrituras. [...] O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissa aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; para a glória de Deus.(8)
Uma das coisas que atrapalham o desenvolvimento do trabalho missionário em outra cultura é exatamente o fato de o missionário tentar infiltrar a sua própria cultura na cultura aonde ele foi inserido, e que lhe é estranha. Ronaldo Lidório comenta o seguinte:
Olhando as frentes missionárias despreocupadas com a contextualização encontraremos, abundantemente, templos de cimento para culturas de barro, pianos de cauda para povos dos tambores, terno e gravata para os de túnica e turbante, sermões lineares para pensamentos cíclicos, sapatos engraxados para pés descalços. Tão ocupados em exportar nossa cultura nos esquecemos de apresentar-lhes Jesus, Deus encarnado, totalmente contextualizado, luz do mundo.(9)
Na Bíblia nós temos um exemplo clássico do jeito correto de se contextualizar o evangelho para uma outra cultura, e o nome desse exemplo é "Paulo". O apóstolo Paulo viajou para diversos lugares, se deparando com diversas culturas, línguas e crenças totalmente diferentes da cultura que lhe era a de origem. Mas soube como ninguém conhecer a cultura onde estava inserido e trazer mensagem de forma clara e contextualizada para aquela cultura, como no caso magistral de seu discurso no areópago, onde utilizou da própria cultura grega, inclusive citando poetas gregos como forma de demonstrar conhecimento daquela cultura, para anunciar o evangelho.
Um exemplo errado que temos na Bíblia é o caso de alguns cristãos judeus, que queriam a todo custo que os gentios que se convertessem ao cristianismo fossem circuncidados como mandava a lei mosaica. O apóstolo Pedro precisou de uma visão do céu para entender que estava fazendo da forma errada.
Mas fica claro que este é um grande desafio de nossos dias. A tarefa de anunciar o evangelho de forma que o outro entenda sem deturpar a mensagem e evitar o efeito "telefone sem fio", onde a mensagem começa certa, mas termina errada.
O Pr. Ebenézer Bittencourt conta que um missionário que trabalhava com os índios de um tribo brasileira, ao lhes falar sobre João 3.16, eles não entendiam, porque quando chegava a parte do perecer, ou seja, morrer, eles não entendiam. Pois na cultura deles morrer era algo bom, pois eles acreditavam que se transformariam em outra coisa. Diante dessa barreira o missionário pensou como traduzir aquilo de uma maneira que eles entendam e que não ferisse o sentido da mensagem. E ao observar aquela cultura notou que para eles a coisa mais imunda e ultrajante que eles repudiavam era uma banana podre. A partir daí aquele missionário disse a eles: "Que Deus mandou seu filho ao mundo para que todo aquele que nele crer, não vire uma banana podre [...]", a tribo entendeu, mas aquele missionário se mostrou preocupado, pois sabia que ninguém entenderia o dilema que ele viveu.(10)
Não existe uma fórmula pronta de como fazer, o que deve prevalecer nessa tarefa missionária é o bom senso do missionário, tanto para a cultura onde ele está inserido, como para com a essência da mensagem bíblica.
Citações:
(1) - Apostila de Missiologia, p. 27.
(2) - Apostila de Missiologia, p. 27.
(3) - DVD Quebra de Paradigmas na Comunicação, Pr. Ebenézer Bittencourt.
(4) - Apostila de Missiologia, p. 27.
(5) - Apostila de Missiologia, p. 32.
(6) - Apostila de Missiologia, p. 32.
(7) - DVD Quebra de Paradigmas na Comunicação, Pr. Ebenézer Bittencourt.
(8) - Apostila de Missiologia, p. 32.
(9) - LIDÓRIO, Ronaldo. A teologia bíblica da contextualização (contextualização missionária), p. 32, 33.
(10) - DVD Quebra de Paradigmas na Comunicação, Pr. Ebenézer Bittencourt.
Referências bibliográficas:
Apostila de Missiologia. Disponível em: <http://www.seminariojmc.br/datafiles/documentos/Apostila%20de%20Missiologia%20JMC%202006b.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2012
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição revista e corrigida no Brasil. São Paulo. Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
BURNS, Bárbara Helen (Ed.). Contextualização missionária: desafios, questões e diretrizes. São Paulo, Vida Nova, 2011.
QUEBRA DE PARADIGMAS na comunicação. Produação: Instituto Haggai. São Paulo: Haggai, 2008. (90 min), DVD.
(Pr. Julio Cezar da Silva Cindra)