Misericórdia! - 2 Samuel 11.6-13

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"Então, enviou Davi mensageiros a Joabe, dizendo: Manda-me Urias, o heteu. Joabe enviou Urias a Davi. Vindo, pois, Urias a Davi, perguntou este como passava Joabe, como se achava o povo e como ia a guerra. Depois, disse Davi a Urias: Desce a tua casa e lava os pés. Saindo Urias da casa real, logo se lhe seguiu um presente do rei. Porém, Urias se deitou à porta da casa real, com todos os servos do seu senhor, e não desceu a sua casa. Então, disse Davi a Urias: Não vens tu de uma jornada? Por que não desceste a tua casa? Respondeu Urias a Davi: A arca, Israel e Judá ficam em tendas; Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados ao ar livre; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber e para me deitar com minha mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não farei tal coisa. Então, disse Davi a Urias: Demora-te aqui ainda hoje, e amanhã te despedirei. Urias, pois ficou em Jerusalém aquele dia e o seguinte. Davi o convidou, e comeu e bebeu diante dele, e o embebedou; à tarde, saiu Urias a deitar-se na sua cama, com os servos de seu senhor; porém não desceu a sua cama." (2 Samuel 11.6-13)
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Introdução: Muitos conhecem a história do adultério entre Davi e Bate-Seba, mulher que era casada com um dos soldados do exército de Israel chamado Urias. Para aqueles que não entendem muito bem a história nós começamos o capítulo 11 do segundo livro do profeta Samuel sendo informados que aquele tempo era um tempo de guerra, e no tempo de guerra os reis saiam à guerra com os seus exércitos. Sabemos de Davi que este era um guerreiro nato, e durante muito tempo ele foi o comandante do exército de Israel enquanto a nação estava ainda sob o reinado de Saul. Mas naquele momento Davi não foi ao campo de batalha, ficou em seu palácio em Jerusalém, e pulando um pouco os detalhes e pormenores do adultério cometido por ele, o que sabemos é que este adultério teve como consequência uma gravidez de Bate-Seba. As guerras não são eventos breves, muitas se arrastam por anos, ou até mesmo décadas. Urias já estava fora de casa há algum tempo, tempo o suficiente para que todos soubessem que o filho não poderia ser dele, algo que deixaria Davi em uma situação constrangedora, pois o seu adultério que era mantido em segredo, seria exposto diante da nação, e lhe renderia consequências públicas de seu ato. Então para encobrir seu pecado, e a gravidez de Bate-Seba, Davi elaborou um plano, que consistia em trazer Urias do campo de batalha com as desculpas de que queria notícias da guerra. Então, faria Urias ir para sua casa, se deitar com sua mulher, e então todos iriam imaginar que a criança no ventre de Bate-Seba seria dele. E é exatamente neste encontro entre Davi e Urias que nós paramos. Nesta história, observamos que Davi não teve misericórdia de Urias. E embora essa seja uma passagem bíblica conhecida por causa do pecado de Davi, pouco de nota na atitude de Urias seu exemplo de homem misericordioso. E me atrevo a dizer, parafraseando o relato do autor do livro de Hebreus a respeito de Abel, que Urias mesmo depois de morto, ainda fala, e eis aí o legado de Urias, que ainda hoje nos ensina sobre misericórdia.
Mas antes de falarmos sobre misericórdia, se faz necessário entendermos o que é misericórdia. A palavra misericórdia vem do latim, e deriva de duas outras palavras: Miserere ou Miseratio (sentir compaixão); e Cor ou Cordis (coração), que seria como "ter compaixão do coração", ou seja, nada mais é do que um sentimento de compaixão despertado pela desgraça ou pela miséria alheia. A Pequena Enciclopédia Bíblica, de Orland Spencer Boyer, define assim o termo: "Sentimento doloroso causado pela miséria de outrem". Ou seja, é a capacidade de sentir a dor do outro, de se colocar em seu lugar. Esse sentimento tem o poder de produzir em nós o desejo de fazer alguma coisa que possa amenizar o sofrimento do próximo, ou pelo menos demonstrar para ele que você é solidário no seu sofrimento. E é exatamente essa imagem de misericórdia que vemos retratada na atitude de Urias. E a partir do momento em que tomamos conhecimento do que é misericórdia, talvez possamos começar a nos lançar na busca pela compreensão da misericórdia demonstrada por Deus para com a humanidade. Urias é apenas um dos muitos exemplos de misericórdia que a bíblia nos traz, mas para compreender toda a extensão da misericórdia, se faz necessário olhar primeiro para o exemplo maior de misericórdia, a misericórdia de Deus.

1 - A misericórdia de Deus

Aprendemos ao estudar a palavra de Deus, e nas classes de estudo bíblico, que um dos atributos morais, ou comunicáveis, de Deus, é a misericórdia. Deus é misericordioso, grande em misericórdia como declara a sua palavra: "Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e cheio de graça, paciente e grande em misericórdia e em verdade" (Sl 86.15, ARA). Mas de quem o Senhor tem misericórdia? Quem é o alvo de sua compaixão? O homem! E ao declarar o homem, me refiro a toda a humanidade, e sim, me refiro a mim e a você, a jovens, crianças, adultos, anciãos, mulheres, a todos sem exceção. Mas depois de compreendermos o que significa misericórdia, que é se compadecer da miséria do outro, e tomarmos conhecimento que Deus tem misericórdia de nós, isso pode fazer surgir a seguinte pergunta: Nós somos miseráveis? E qual é a nossa miséria? Entendendo que miséria é a falta daquilo que se necessita, ou seja, é um estado de penúria, de aflição, somos completamente miseráveis, pois somos carentes de Deus, e de tudo aquilo que Ele nos proporciona. Mas nem sempre foi assim, o motivo da miséria do homem tem nome, e se chama PECADO! Em Romanos 3.23 o apóstolo Paulo expõe essa realidade: "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (ARA).
Nós frequentemente somos levados a menosprezar os efeitos do que chamamos de queda do homem, ou pecado original, que foi o pecado de Adão. Pois pensamos que se seguirmos a risca um conjunto de padrões morais, ou regras, onde não se deseja o mal de ninguém, não se faz nada que seja considerado errado, e ajudamos a todos quanto podemos ajudar, que isso possa nos garantir o favor de Deus. Não! Pelo contrário, isso demonstra a nossa ignorância quanto a nosso estado já pecador. Esse inclusive era o erro principal cometido pelo grupo religioso judeu chamado de fariseus, motivo pelo qual Jesus certa ocasião os chamou de sepulcros caiados (cf. Mt 23.27). Não foi apenas Adão que caiu diante do pecado, e nem mesmo apenas os homens, mas toda a criação foi afetada por ele, por esse motivo todo o mundo sofre por causa do pecado, para onde se olha se vê as consequências da natureza pecaminosa instalada no mundo por causa da queda do homem, como disse Paulo: "Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação" (Rm 5.18, ARA). Por isso vivemos em um mundo caído: "Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno" (1 Jo 5.19, ARA); e "...No mundo, passais por aflições..." (Jo 16.33b, ARA). Até mesmo o próprio relacionamento do homem com a criação foi abalado pelo pecado: "Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará. E a Adão disse: Viste que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás." (Gn 3.14-19, ARA). Então podemos ver claramente que o pecado de Adão não afetou a ele somente, mas a todos nós, e recaiu sobre nós também as suas consequências, dentre as quais, a ausência do relacionamento com o Criador, por isso ao ser confrontado com a visão de Deus: "Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!" (Is 6.5, ARA). Ou seja, como disse anteriormente, somos seres caídos, vivendo em um mundo caído, rodeado pelo pecado à nossa volta, e também dentro de nós.
Eis a nossa miséria, a nossa falta de Deus. Eis aí o motivo da misericórdia de Deus por nós, pois Ele percebeu nossa completa incapacidade de tomar a iniciativa da reconciliação com Ele, e também para pedir o perdão pelos nossos pecados de uma maneira que satisfaça a sua lei. Deus não ficou no "discurso", Ele agiu, e sua resposta de misericórdia ao mundo, foi se fazer carne e habitar entre nós, foi sentir na pele as nossas necessidades, dores, aflições, e o preço de nossos pecados. Ele se colocou em nosso lugar, Jesus Cristo, é a MISERICÓRDIA de Deus sobre nós. Devemos ser gratos a misericórdia de Deus sobre nós, pois elas são as causas de não sermos consumidos pela santa ira de Deus em resposta ao pecado que há em nós, mas suas misericórdias se renovam a cada manhã e não tem fim, pois duram para sempre. (cf. Lm 3.22)
Nós somos alvos da misericórdia de Deus, mas Deus nos concedeu também a capacidade de sermos misericordiosos, e Ele quer que o sejamos. 

2 - A misericórdia entre nós

A misericórdia é um dos atributos divinos que Deus compartilha com os homens. Ou seja, Ele nos dotou com a capacidade de amar o próximo e de sentir em nós um pouco da dor do outro. Esse sentimento pode receber outros nomes, como: compaixão, empatia, e etc. E esse sentimento gera, ou pelo menos deveria gerar, em nós, o desejo de fazer algo pelo próximo. E para que a misericórdia seja verdadeira, o desejo que nos toma, que nos invade, deve ser transformado em ações. Foi o que fez Urias ao dormir ao relento, junto aos portões do palácio de Davi, recusando-se a ir para sua casa. No verso 11, do segundo livro do profeta Samuel, capítulo 11, Urias declara ao Rei o porquê não queria ir para sua casa, desfrutar de sua comodidade e da companhia de sua mulher: MISERICÓRDIA! Misericórdia para com o Senhor Deus, pela Arca da Aliança, a manifestação da presença do soberano do universo, que permanecia sob as tendas do tabernáculo. Isso deveria implicar em uma lição direta para Davi, que era rei apenas sobre Israel, e dormia em seus palácios. Misericórdia também, para com os seus companheiros de guerra, pois ele esteve acompanhando de perto o sacrifício de tais homens, que deixavam suas casas, a companhia de suas mulheres, para dormir ao relento e darem suas vidas para a proteção de seu povo, seu rei, e sua terra. E eis exatamente aí uma enorme diferença de atitude entre a misericórdia de Urias e o pecado de Davi, pois enquanto seus soldados não tinham um teto sobre as suas cabeças, Davi estava em seus aposentos reais, e Urias ensina ao rei o que é se compadecer do próximo. Mas o exemplo mais gritante dessa disparidade entre os dois, se dá ao perceber que Urias se recusa a estar com sua mulher, algo que lhe é de direito, por amor e misericórdia de seus companheiros de batalha, suas esposas e famílias, pois o mesmo não se considerava digno de se dar a esse "luxo"; e enquanto isso, nós vemos a Davi, que não apenas já possuia várias mulheres, entre esposas e concubinas, a sua disposição, mas foi se deitar exatamente com a esposa de um de seus soldados. Misericórdia!
Eis o quão perigoso o pecado pode ser, transformando um homem, seus pensamentos, desejos e atitudes. O quão vil Davi se tornou, o quão baixo chegou, eis aí o rei e adorador Davi, adulterando com a esposa de seu súdito, e maquinando contra ele. O rei Davi já estava completamente dominado pelo pecado, suas atitudes de adultério são apenas a execução do que já existia em seu coração, e é exatamente assim que o pecado começa: "Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte." (Tg 1.13-15, ARA). Esse mesmo preceito, a respeito do pecado se inicia bem antes de sua manifestação externa, que são as atitudes consumadas, são ensinados por Jesus Cristo no famoso Sermão do Monte (cf. Mt 5). Naquele momento o rei Davi estava como Caim, antes de tirar a vida de seu irmão Abel, quando o Senhor lhe alertou do que acontecia em seu coração: "...Se todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo." (Gn 4.7b, ARA). Mas não quero me deter olhando para o pecado de Davi, mas para o exemplo de Urias.
Jesus no sermão do monte declarou: "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia." (Mt 5.7, ARA), e é da vontade de Deus que, nós, o seu povo, sua igreja, tenhamos misericórdia de nosso próximo: "Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai." (Lc 6.36, ARA). E é este princípio que está embutido no resumo que Jesus faz da Lei em Mateus 22.39, ao dizer: "...Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (ARA). E ainda no livro de Mateus, Jesus reforça a necessidade de manifestarmos misericórdia, pois esta é uma das características do salvo, ele é misericordioso. Portanto Jesus declara: "Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estive nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me. Então, perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? e Quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? O Rei, respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes." (Mt 25.34-40, ARA). E aqui está um bom aspecto para se identificar um cristão verdadeiro, pois sua vida é marcada pelo seu espírito misericordioso.
Agora é preciso fazer um alerta à igreja. Muitos imaginam que exercer misericórdia é apenas se mobilizar para satisfazer as necessidade humanas, quanto a fome, vestimenta, saúde e outras tantas que acompanham o escopo de obras sociais da igreja. Mas há um ponto que por muitas vezes nos passa despercebido, e é a gritante necessidade que o homem tem de Deus, sua miséria espiritual. Eis aí um dos maiores pecados que muitos de nós temos cometido como igreja, a omissão: "Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando." (Tg 4.17, ARA). A igreja recebeu a misericórdia de Deus sobre ela, fomos feitos possuidores do antídoto para esse veneno chamado pecado, e enquanto o estado deplorável, escabroso, mórbido, de sofrimento das almas agonizantes nas mãos do diabo não nos causarem dor, vergonha, tristeza, compaixão e misericórdia, não somos dignos de sermos chamados igreja. Enquanto o mal cheiro do pecado não nos causar nojo, do próprio pecado, de nosso estado miserável, e do pecado que nos rodeia, não estaremos dispostos a apresentar, ou mesmo reconhecer, a Cristo e seu sangue purificador. Enquanto a dor do próximo não for a nossa também, não haverá misericórdia para nós. Matar a fome dando-lhe comida é importante, e absolutamente necessário, mas deixá-lo ir embora de estômago cheio e miserável espiritualmente é covardia, uma atitude de hipocrisia. Jesus retrata na famosa parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10.25-37), a hipocrisia do sacerdote e do levita, os religiosos da história contada, mas que ignoram o estado deplorável do caído, passando de largo. O samaritano, resolveu ajudar, sem esperar nada em troca, simplesmente pelo prazer de ver o outro bem, de sentir a dor do outro. Mas atar-lhe as feridas do corpo e deixar sua alma ir para o inferno é condenável, por isso a aplicação de tal parábola é muito mais profunda do que simplesmente tratar as feridas do corpo. Somos atalaias, como declarou o profeta Ezequiel (cf. Ez 33), e é nossa responsabilidade alertar ao pecador sobre sua miséria, sobre sua necessidade de receber a misericórdia de Deus (Jesus Cristo) sobre sua vida, pois esta é a sua ÚNICA saída para sua miséria, e consequentemente, sua saída para a condenação espiritual. Então sejamos misericordiosos, e cumpramos a palavra que diz: "Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram." (Rm 12.15, ARA).

Conclusão: Jesus em duas ocasiões desafia os judeus a entenderem o que de fato significa: "Misericórdia quero e não sacrifícios" (cf. Mt 9.13, 12.7). Estas palavras de Jesus são uma referência direta ao profeta Oséias (Os. 6.6). E o profeta não deixa dúvida alguma sobre o que ele está falando. Oséias se refere a conversões, ou seja, arrependimentos falsos, súplicas e clamores hipócritas, que não passavam de pura encenação para satisfazer nossa própria justiça. E isso é representado pelas figuras dos sacrifícios e holocaustos, que se tratavam de um ritual cerimonial religioso estabelecido na época de Moisés. Mas como todos os demais aspectos cerimoniais da Lei, não tinham um fim em si mesmo, mas eram representações de Cristo e sua obra redentora na cruz, o sacrifício perfeito. Como os sacrifícios e holocaustos eram representações de cerimoniais públicos, eles representavam a real intenção do coração dos hipócritas, serem reconhecidos pelos homens e não por Deus. Jesus esclarece isso na parábola do fariseu e do publicano (Lc 18.9-14). Portanto, embora eles fossem rigorosos em todos os aspectos referentes aos mínimos detalhes da letra da Lei, seus corações, mentes e línguas ainda destilavam pecado. 
A misericórdia a que o texto se refere, é sentir aquilo que entristece ao Senhor, e colocar nosso coração para buscar sentir o que há em nós que desagrada a Deus, ou seja, é como olhar para um espelho e ver refletido nele a real imagem de nosso estado miserável, e sermos confrontados com o pecado que há em nós, e sentirmos quão grande é a tristeza do Deus santo por nós pecadores. É o que o próprio Davi expressou no Salmo 51, onde ele derrama todo o seu ser na presença de Deus suplicando-lhe o perdão exatamente pelo pecado cometido contra Deus, e contra Urias. E enquanto não confrontarmos nossos pecados, não haverá arrependimento em nós, e enquanto não manifestarmos misericórdia pelo estado pecador de nosso próximo, o caráter de Cristo não está em nós, e não haverá misericórdia para nós. Se você quer saber o que é o inferno, é a total ausência da misericórdia de Deus sobre nós, e o despejar do cálice puro, sem mistura, de sua santa IRA (cf. Ap 14). Que Deus tenha misericórdia de nós, e que nós sejamos misericordiosos!

Pr. Julio Cezar da S. Cindra

Meu lar, um altar! - Deuteronômio 6.4-9

 

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"Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas." (Deuteronômio 6.4-9)
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O mês de Maio é celebrado como o mês da família, uma época em que as igrejas preparam suas programações voltadas especialmente para a família.
A família está em foco, e também está no foco de Satanás. A cada dia que passa vemos estratégias de Satanás, para acabar com a família, se multiplicar. E também vemos o apelo desesperado do mundo, gritando socorro, por suas famílias.
Seja você crente ou não, uma certeza eu tenho, você se preocupa com sua família. Essa é uma preocupação que aflige a todo ser humano. Até o mais cruel e sanguinário bandido almeja um futuro melhor para sua família. Mas os dias tem sido maus, terríveis, e as famílias cristãs, lares cristãos, que outrora foram o exemplo de sucesso familiar em meio ao caos, hoje é só mais uma nesse caos. O que aconteceu? Ou melhor, o que está acontecendo? Vamos buscar por respostas na Palavra daquele que criou a família.

1 - Eu, um sacerdote! (v. 6): Em primeiro lugar, não dá para querer a cura da família sem primeiro buscar a solução para o nosso coração. Você faz parte da sua casa, da sua família, e a primeira pessoa da sua família que precisa do agir de Deus, é você mesmo(a). Deus quer alcançar a sua família, é desejo d'Ele alcançar a sua família, e Ele deseja entrar em sua família, entrando primeiro em seu coração, em sua vida.
A preocupação que possuímos com nossa família nos leva a querer o melhor para ela, e quando procuramos a solução no mundo e não encontramos é que nos lembramos de Deus. Então, ao percebermos que Deus tem respostas concretas para nossa família, decidimos que nossa família precisa de Deus. E então é comum as pessoas tomarem algumas atitudes, como por exemplo:
  • Levar os familiares na igreja;
  • Levar a igreja aos familiares;
  • Ir à igreja pedir pela família.
Estas posições são tomadas de pronto, pois preocupamo-nos com nossa família, então, pedimos orações por ela na igreja; pedimos aos irmãos e ao pastor para falarem com eles; os levamos aos cultos para ouvirem da boca de outros aquilo que deveriam ouvir da nossa. Tomar essas posições não é errado, pelo contrário, é certo. Mas, tomá-las sem primeiro um compromisso pessoal com Deus, não resolve. Antes, se você busca por sua família, mas se desvia da verdade em sua vida, se prepare para encarar essa realidade: "você se torna a desgraça da sua casa!"
A pergunta que precisa ser respondida então, é: E agora? O que fazer? Se você quer o bem para sua família, sua vida precisa ser a porta de entrada para Cristo em sua casa. É isso o que o verso 6 vem trazer, que em primeiro lugar você precisa guardar no teu coração as palavras que foram ordenadas no verso 4 e 5. Muitos não entendem, mas no verso 4 e 5 deste capítulo de Deuteronômio está todo o resumo da Lei, ou seja, a expressão máxima da profissão de fé do judeu. Este texto ficou conhecido pela expressão usada por Moisés para chamar a atenção do povo para esta responsabilidade, quando declara: "Ouça Israel" (do hebraico SHEMÁ ISRAEL).
O Shemá, era um resumo dos 10 mandamentos para o judeu. Sendo uma expressão da Antiga Aliança, alguns cristãos podem pensar que não se aplica mais, quando muito pelo contrário, Jesus reafirma sua importância e ainda lhe acrescenta outras duas observações em um diálogo com um escriba registrado em Marcos 12.28-31. Jesus reafirma a importância do Shemá, tanto para o judeu, quanto para aqueles que recebem a Nova Aliança, os cristãos, em suma, a igreja. E as observações feitas por Cristo são: quando ele acrescenta à forma de amar a Deus, o entendimento; e ainda quando afirma que o segundo mandamento, semelhante ao primeiro, é, o amor ao próximo como a si mesmo.
O que Jesus faz ao resumir os 10 mandamentos em 2, é nada mais do que pegar as duas tábuas da Lei, onde cada uma contém 5 mandamentos, e mostrar aos homens que cada uma das duas tábuas, ou seja, cada grupo de 5 mandamentos compreendem responsabilidades lançadas sobre o homem, onde o primeiro grupo de 5 mandamentos são responsabilidades do homem para com Deus, e o segundo, do homem para com o seu próximo. Simples assim! Ou seja, Jesus está bradando de novo, dessa vez: Shemá Igreja!
Mas voltando a questão de sermos a porta de entrada de Cristo em nossa casa, o texto de Apocalipse 3.20 retrata bem a realidade de Cristo entrar em nossa vida e fazer morada em nós, e, através de nós, entrar em nossa casa. Mesma realidade expressa por Paulo, quando declara ao carcereiro em Atos 16.31, que "crê no Senhor Jesus, e serás salvo tu e tua casa". O que ele quis dizer não é que minha fé salva automaticamente a minha família. Mas minha fé me leva a querer minha família salva, então eu levarei a ela a razão da minha fé e da minha salvação. Eu lhes apresentarei o Jesus que me salvou. É isso, simples assim! E entendendo isso, assumo minha posição como sacerdote do meu lar. 

2 - Minha casa, lugar de adoração! (v. 7): Nós falamos sobre o que busca para o outro mas não para si mesmo. Mas, agora se faz necessário chamar a atenção para o outro extremo: aquele que busca para si mesmo e não se importa com os outros. Meus amados irmãos, as igrejas estão abarrotadas de pessoas vivendo esses dois extremos. Mas esse é o mais pernicioso para todo o evangelho, este é a causa e motivo de escândalo, e este é o que mais se abate sobre as lideranças. Ou seja, a completa indiferença e abandono do altar em casa.
Aquele que busca para si mesmo e ignora o estado deplorável do seu próximo é tão hipócrita como o sacerdote e o levita da parábola do bom samaritano. Quantas vezes estamos tão confortáveis com nossa bíblia debaixo do braço, e nossa roupa bonita indo para os templos, ignorando os cacos ao nosso redor, e o pior, muitas das vezes os pisamos em vez de recolhe-los e apresentá-los ao Senhor. Estamos longe de nos parecer com o bom samaritano. E ainda mais, aquele que se compadece do estranho, mais ignora os de sua própria casa são piores do que o descrente. Essas são as palavras do apóstolo Paulo para o jovem pastor Timóteo, mas também é para toda a igreja (1 Tm 3.4-5; 5.8). Quando Paulo cita isso ele não está se referindo ao mero e simples cuidado no sentido de atenção e proteção, também, mas principalmente no que se refere a razão da sua fé, pois como bem escreveu Tiago (Tg 2.17), a fé e as obras precisam caminhar juntas, pois assim como a fé sem obras é morta, obras sem fé também é!
O texto lido (Dt 6.7) traz à tona uma responsabilidade aos pais e estendida a todos os que são conhecedores da verdade, a necessidade de uma vida diária de adoração e devoção. O lar e a vida cotidiana têm sido, por muitas vezes, ignorados como a nossa maior oportunidade de vitórias espirituais. Vamos fazer uma conta rápida, e para não ser injusto com ninguém, vou tomar a minha própria vida como exemplo. Em uma semana nós temos 168 horas. Em uma semana eu participo, geralmente, de 3 cultos no templo. E cada culto têm aproximadamente a duração de 2 horas. Então, ao longo de uma semana inteira, passo 6 horas no templo. Isso é, aproximadamente, 3% de todo o meu tempo em uma semana, ainda me restando os outros 97%, ou seja, das 168 horas da semana, passo 162 longe do templo. A pergunta que precisamos fazer a nós mesmos é: o que fazemos com o tempo que não estamos no templo? Pois na maior parte do tempo, não estamos no templo! Dentro do templo nós pulamos, cantamos, gritamos, choramos, abraçamos, sorrimos, só falamos palavras doces e agradáveis, a gente ora e lê a bíblia. E quando saímos do templo? Ainda cantamos? Ainda choramos? Ainda abraçamos? Ainda se lê a bíblia? Ainda oramos?
O que vou dizer aos pais se aplica a você que não é pai, nem mãe, mas é o único, ou a única, em sua casa que tem Jesus como Senhor e Salvador de sua vida. A responsabilidade trazida à tona pelo Salmo 127.1 ("Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam") é uma concordância com Provérbios 22.6 ("Ensina a criança, no caminho em que se deve andar, e até quando envelhecer, não se desviará dele"), ou seja, a necessidade de ensinar pelo exemplo. Ensinar pelo exemplo é ir além das palavras, mas ensinar na prática de vida diária, ou então cairíamos no famoso bordão: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". O chamado aqui é para mostrar na prática como se deve fazer, é preparar a sua casa para encontrares com o seu Deus.
Cumpra o que está escrito no verso 7, transforme sua casa em um altar. Para isso é preciso resgatar a comunhão e a intimidade dentro de casa. Para os judeus o momento de comunhão sagrado dentro da família eram os momentos de refeição, onde a família se sentava e conversava enquanto comiam. Hoje cada um como em um lugar, em um horário, e não há mais diálogo, só há um silêncio, enquanto nossos olhos e ouvidos estão atentos para o que a televisão e a internet tem a dizer,. Tapamos os nossos ouvidos para o grito de socorro de nossa família. Ainda há tempo de agir, faça da sua casa um altar, um lugar onde Deus é adorado todos os dias!

3 - Eu, um sacrifício vivo! (v. 8): Há uma certa relação entre Deuteronômio 6.8 e Apocalipse 13.16. Ambos falam a respeito de coisas que estarão nas mãos e nas testas. Sendo que o texto de Deuteronômio fala de carregar nas mãos e nas testas os mandamentos de Deus, enquanto, que, Apocalipse menciona que estarão nas mãos e nas testas a marca da besta.
São marcas distintas, mas a interpretação é semelhante para as figuras usadas para simbolizar onde estas marcas estarão. De uma forma bem simples, a mão são as atitudes, enquanto que a testa, os pensamentos. Ou seja, a marca da besta em Apocalipse não é um chip, uma tatuagem ou qualquer desses boatos espalhados por aí, na verdade ela já está entre nós há muito tempo, e enquanto nos iludimos com falácias, ignoramos que a marca da besta nada mais é, do que a manifestação da vontade da besta nos pensamentos e atitudes. Essa mesma análise pode ser aplicada aos mandamentos nas mãos e na testa, ou seja, isso simboliza a vida daqueles que realizam a vontade de Deus, em suas atitudes e pensamentos. Como já mostrava o Salmo 1.2 (O que medita de dia e de noite), ou o Salmo 119.11.
Malaquias 3.18, retrata esse contraste, quando se refere a como Deus evidenciará a diferença entre os justos e os perversos no grande dia, através de suas ações, mas também através de suas sentenças.
O grande ponto deste versículo é que, o resultado de uma vida devocional, será o testemunho vivo e sacrifício vivo, que agrada a Deus (Rm 12,1). Ou seja, tudo em nós glorificará o nome do Senhor, tanto nossas ações, quanto nossos pensamentos.

4 - Meu lar, local de testemunho! (v. 9): O resultado de uma casa alicerçada, é que esta se tornará uma referência, e quando as pessoas olharem para a vida das famílias que colocarem estes princípios em práticam elas enxergarão a mão de Deus sobre aquela família. Tanto os que olharem da rua (aqueles que não possuem intimidade com vocês), quanto os que olharem de dentro (os que convivem com vocês). Essa é a representação do ato de escrever na porta e no umbral, é como se dissessem: "olhem para minha casa e lembrem-se de Deus e dos seus mandamentos". Como sugestão, trago um acréscimo ao ponto 2, é preciso resgatar aquilo que chamávamos de culto doméstico.

Conclusão:

Estas palavras muito me ensinaram, mas como Jesus disse ao encerrar o sermão da montanha, não adianta ouvir e não colocar em prática. Jesus usou a ilustração do homem construindo uma casa: o que ouviu e não praticou, construiu sobre a areia, e a sua casa ruiu; mas, o que ouviu e praticou, construiu sobre a rocha, e a sua casa se tornou inabalável.
A questão é que a solução para sua família está posta diante de você através da palavra de Deus. É como o doente que procura o médico e este lhe fornece o remédio para curá-lo, mas o doente leva o remédio para casa, mas não o toma. Ele continuará doente. Então cabe a você decidir por isso em prática em seu lar, ou não. Mas fico com Josué, e faço minhas as suas palavras, "porém eu e minha casa, serviremos ao Senhor!" (Josué 24.15).

Pr. Julio Cezar da S. Cindra

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